Prof. Manoel Maurício: a postura irreverente e questionadora na transmissão do fato histórico.
UAI!
Interjeição denotativa de surpresa e espanto, sentimentos estes que me invadiram quando vim a saber ser viçosense o historiador Manoel Maurício de Albuquerque.
Nascido na terra de Graça Leite e Octávio Brandão a 1o. de dezembro de 1927, ainda cedo Manoel Maurício (Maneco para os alunos, Nezinho para os familiares) migrou para o Rio de Janeiro, então capital da República, onde veio a formar-se pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.
A partir de 1950 exerceu o magistério de forma ininterrupta, lecionando na PUC, UFRJ, Cândido Mendes, Gama Filho, Santa Úrsula e no Instituto Rio Branco, tendo ao longo de sua vida transmitido de forma crítica de questionadora a História brasileira a cerca de 65.000 alunos. Com o advento do golpe militar de 1964 sofreu sucessivas perseguições, até ser compulsoriamente aposentado em 1968, aos 40 anos de idade, sob a alegação de que aliciava alunos com propósitos subversivos, doutrinando-os pela cartilha marxista.
Para sobreviver, viu-se obrigado a lecionar em colégios do 2o. grau e cursinhos de vestibular. Nem com isso o regime se contentou. Perseguiu-o, prendeu-o e torturou-o por duas vezes, em 72 e 73. As torturas e a prisão acarretaram-lhe sérios problemas cardíacos, que viriam a vitimá-lo alguns anos mais tarde.
Na segunda metade de década de 70 dedicou-se ao teatro e ao cinema. Foi assessor técnico dos filmes “Getúlio Vargas, Imagens de um Mito” e “Brasil, cinema e História”, ambos da cineasta Ana Carolina, e orientou diversos trabalhos teatrais, entre eles “A Ópera do Malandro” de Chico Buarque, “Campeões do Mundo” de Dias Gomes e “Rasga Coração” de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha.
Em fevereiro de 1981, já reintegrado à UFRJ, publicou pela editora Graal um volume com cerca de 800 páginas, intitulado “Pequena História da Formação Social Brasileira”. Nas palavras do próprio autor, “o grande personagem deste livro é o povo brasileiro, e as suas manifestações constituem a matéria-prima sobre a qual procurei exercer uma atividade transformadora para convertê-la em um produto científico”. A obra teve excelente acolhida, tanto por parte da crítica (com lógica exclusão dos críticos a serviço da direita e dos historiadores ultra-acadêmicos que se empenham em preservar a fictícia História dos homens sem classes e interesses antagônicos) quanto por parte do público. O conhecido antropólogo Darci Ribeiro afirmou ser “A Pequena História da Formação Social Brasileira” “um dos livros mais importantes que se fez neste país nos últimos anos”.
Menos de um mês depois,a 17 der março, falecia Manuel Maurício, vitimado por um enfarte quando se encontrava numa livraria do centro do Rio de Janeiro. O poeta de cordel Raimundo Santa Helena dedicou-lhe o poema “Adeus, Manoel Maurício” e o Arquivo Geral do Rio inaugurou, em maio do mesmo ano, a Sala de Leitura Manoel Maurício de Albuquerque, com boa parte do acervo deixado por Maneco, um dos mais cativantes e irreverentes mestres (na ampla acepção do vocábulo) que o Rio já possuiu, a crer na unânime opinião de alguns colegas de ofício (Décio Freitas, Eulália Lahmeyer Lobo, Chico Alencar, José Luiz Werneck, etc.) e de incontáveis alunos que converteram seu sepultamento num comovente ato apoteótico.
Em Alagoas o nome de Manoel Maurício permanece no mais rigoroso esquecimento, como se dispuséssemos de bons e competentes historiadores cá na província, quando é sabido que os nossos historiadores (se assim os podemos denominar) não passam – quase sempre – de maus e tendenciosos ficcionistas, mesmo quando tratam de temas e fatos de relevante e indiscutível significação histórica. Santo de casa não faz milagre, bem sabemos. Que dizer de um santo que não escondia sua devoção por Marx e Althusser?
Por Sidney Wanderley
Nenhum comentário:
Postar um comentário