Bar Trovador Berrante: certeira morada do espírito boêmio de Zé do Cavaquinho.
Zé do Cavaquinho
Boêmio-maior viçosense (1911-1981).
Autor do chorinho Escorrego do Urubu e das marchinhas Lagartixa e Jacaré Com Tempero; proprietário do bar-boteco Trovador Berrante, endereço boêmio do senador Teotônio Vilela até 1972, quando o menestrel das Alagoas abandonou de forma definitiva seu convívio com as bebidas alcoólicas; pai de quatorze/quinze filhos, todos eles exímios tocadores de cavaquinho e violão; protagonista de dezenas de histórias e estórias, todas elas reveladoras de seu espírito boêmio e irreverente.
Na década de 20, convidado para uma buchada na cidade de Palmeira dos índios, sertão alagoano, para lá migrou com intenção de voltar no dia seguinte. Gostou tanto da buchada e da amizade que travou com o glosador Chico Nunes, que lá permaneceu por quase oito anos.
Quando retornou a Viçosa, os amigos de copo argüíram-lhe acerca do motivo de sua longa ausência:
- Que peste você andou fazendo todo esse tempo em Palmeira, ô Zé?
O boêmio alisava mansamente o ventre, punha seu olhar melancólico sobre os companheiros e após libertar um magistral arroto, concluía:
- Buchada mais da pesada, meninos... buchada mais da pesada...
Certa feita, pleiteando um empréstimo no Banco do Brasil, viu-se argüido pelo gerente acerca de suas ocupações:
- Seu Zé, de que o senhor vive?
E Cavaquinho não titubeou:
- Vivo de olhares e sorrisos.
O gerente, dotado de espírito bem mais prático que poético, negou-lhe prontamente o empréstimo.
Outra vez, beneficiando-se duma carona, viajou até Aracaju para cobrar uma certa quantia que lhe deviam. Lá chegando, encontrou-se de chofre com seu devedor, boêmio como ele, e entraram a beber e a tocar por oito dias seguidos.
De volta a Viçosa, seus amigos de copo reuniram-se no Trovador Berrante para comemorar, com música e aguardente, o seu retorno. Lá pelas três da madrugada, o Zé interrompeu bruscamente a farra.
- Pára, pára, pára com essa zoada.
- Mas Zé, o que é que deu na sua cabeça?
- Na minha cabeça, nada: no meu bolso, deu-se uma desgraça. Pois não é que eu fui até Aracaju para “espremer” um devedor e – lembrei-me agora – passei com ele oito dias, bebi, farreei, toquei e não cobrei a peste da dívida!
A turma fez um ar de tristeza e desolação. O Zé exaltou-se:
- Volta, volta, volta com essa zoada.
E a serenata prolongou-se até às seis da matina.
Conta-se que, certa ocasião, estando Zé do Cavaquinho responsável pelo acompanhamento musical de uma procissão religiosa, o boêmio entrou a tomar umas e outras no Trovador e, chegando a hora, a cabeça do Zé estava mais para bêbada que para lúcida.
E ele não teve dúvida. Ao invés de tocar fúnebres e monótonos hinos sacros, castigou em seu cavaquinho a “Jardineira”. E os fiéis não se fizeram de rogado, acompanhando o boêmio na cantoria:
“Ô jardineira, por que estás tão triste,
Mas o que foi que te aconteceu?
Foi a camélia que caiu do galho,
Deu dois suspiros e depois morreu...”
E adeus procissão, senhor Vigário.
Inúmeras são as histórias que se contam a seu respeito – algumas, reais; outras, produtos da imaginação de seus admiradores. O fato é que Zé do Cavaquinho, boêmio dos mais autênticos e respeitáveis, jamais se importou em dissociar a fantasia da realidade, ou, em outras palavras, a vida sonhada da vida vivida.
Legou-nos três máximas dignas de reflexão:
- Vida é negócio para ser vivido e gozado, nunca filosofado;
- Beber, só com método. Sem método, até água de pote faz mal;
- Se beber, morre. Se não beber, morre. Então vamos morrer bebendo, gentada.
Por Sidney Wanderley
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