domingo, 10 de abril de 2011

Violeiro

Violeiro

Não poderíamos escrever este vocábulo sem que fizéssemos menção ao grande cantador de viola Manoel Nenen – considerado pelo folclorista José Aloísio B. Vilela o maior cantador do Nordeste. Afirmação um tanto exagerada, mas não inteiramente absurda, pois que Nenen era cantador e dos melhores que existiram na região nordestina deste país, a ponto de merecer vários e entusiasmados artigos que o dicionarista Aurélio Buarque de Holando publicou em jornais cariocas.

Poeta analfabeto, viçosense de nascimento, lavrador de profissão, cantava apenas nas horas de folga. Era muito comum, na primeira metade deste século, encontrá-lo com um companheiro na prática do desafio no Engenho Boa Sorte, de propriedade do “coronel” Elias, pai do folclorista José Aloísio, do senador Teotônio Vilela e do cardeal D. Avelar Brandão Vilela.

Nestas ocasiões, o repentista vangloriava-se:

“Pra cantar mais do que eu canto
Nenhum poeta nasceu.
Se nasceu, não nasceu vivo;
Se nasceu vivo, morreu;
Se existe ainda está muito oculto
Que ainda não apareceu”.

E acrescentava:

“Eu sou bom na cantoria,
Eu sou bom em toda parte,
Bom no verso, bom na rima,
Bom na vida, bom na arte,
Bom na goela, bom na fala,
Bom no punhal, bom na bala,
Bom até no bacamarte”.

Enquanto afinava a viola e temperava a garganta para a cantoria, Manoel Nenen assim se apresentava à platéia atenta:

“Seu doto eu pra cantar
Não faço triste figura,
Abro a boca, estendo o verso,
Tenho rima com fartura,
Meu pensamento é um veio,
Parece com um rio cheio
Correndo em toda largura.

“Sou eu o Manoel Nenen
O campeão do repente
Que quando dispara um verso
Tem quatro ou cinco no dente
E nunca perde uma rima
Nem que a viola arrebente.

“Eu me chamo Manoel
Fuloriano Ferreira,
Papagaio falador,
Guriatã cantadeira,
Rosa de todo jardim,
Água de toda ribeira”.

E justificava o seu analfabetismo com a seguinte estrofe, arrancando aplausos da platéia num rasgo de falsa modéstia:

“Sou cantador atrasado
E meus erros ninguém note,
Eu só canto porque Deus
Foi quem me deu este dote,
Mas só conheço o O
Devido a boca de um pote”.

Já velho, doente e paralítico, era comum vê-lo tropeçar num verso e pedir ajuda ao “baiano” da viola para o vazio de uma inspiração que fugira. Nestas ocasiões, sentenciava inconsolável para os espectadores: “É melhor mastigar brasa que mastigar um repente”. Mesmo assim prevenia ao seu desafiante:

“Colega tenha cuidado
Do meu cantar tome nota,
Sou um pé de roseira branca
Quanto mais velho mais bota,
O meu tanque de repentes
Cantador algum esgota”.

Depois, deixava-se abater pelo desânimo e confessava aos ouvintes:

“Eu ainda estou cantando
Mas sei que não canto bem
Porque minha cantoria
Já não agrada a ninguém,
Estou na situação
De quem já teve e não tem.

“Nas artes da cantoria
Fui mestre de toda escola,
Mas hoje velho e cansado
Me falta lira na viola,
Eu vou armando o repente
E a ponta da língua enrola.

“Já fui aqui na Viçosa
Assombro dos cantadores,
Agradei a todo mundo,
A coronéis e doutores,
Mas hoje estou desse jeito,
Peço perdão aos senhores”.

Manoel Nenen morreu beirando os 100 anos, em 1980, num asilo de velhos, em Maceió. Orgulhoso, há muitos anos recusava-se a versejar e a manejar sua viola, evitando repentes disparatados e versos de pé-quebrado.

Deixou-nos esta estrofe como despedida:

“Adeus, adeus minha gente,
Está finda a cantoria,
A todos muito obrigado
Pela sua fidalguia,
Já está chegando a hora,
Meu povo eu já vou embora,
Adeus, até outro dia”.

Por Sidney Wanderley

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