Quilombo
Folguedo natalino alusivo à guerra dos Palmares, muito comum em Viçosa até 1930. Ao contrário do pastoril, da taieira, do reisado e do guerreiro, ainda hoje comumento encenados nas datas festivas do município, o quilombo encontra-se praticamente banido do folclore viçosense.
Encontramos uma minuciosa descrição deste torneio popular às páginas 96-98 do livro Viçosa de Alagoas, de autoria do sempre citado Alfredo Brandão. Transcrevemos integralmente a descrição:
“Era no dia do orago que se realizava o torneio do quilombo: ao amanhecer, em um canto da praça, via-se organizado um reduto de paliçada, poeticamente enfestonado de palmas de palmeiras, de bananeiras e de diversas árvores virentes e ramalhosas que durante a noite haviam sido transplantadas. Dos galhos pendiam bandeiras, flores e cachos de frutas. No centro da paliçada erguiam-se dois tronos tecidos de ramos e folhas; o da direita estava vazio, mas o da esquerda achava-se ocupado pelo rei, o qual trajava gibão e calções brancos e manto azul bordado, tendo na cabeça uma coroa dourada e na cinta uma longa espada. Em torno as negras, vestidas de algodão azul, dançavam ao som de adufos, mulungus, pandeiros e ganzás, cantando a seguinte copla: Folga negro / Branco não vem cá / Se vier / O diabo há de levar.
“Depois estrugiam gritos guerreiros, os instrumentos redobravam de furor; ouviam-se sons de buzina e os negros dispersavam-se para vender o saque da noite. Esse saque era representado por bois, cavalos, galinhas e outros animais domésticos, que haviam sido cautelosamente transportados de diversas casas da vila para o quilombo. A vendagem era feita aos próprios donos, os quais, em regra geral, davam aos vendedores um tostão ou duzentos réis. Por volta das dez horas, o rei, à frente dos negros, ia buscar a rainha, uma menina vestida de branco, a qual, no meio de muitas zumbaias, músicas e flores, era conduzida para o trono vazio. As festas, as danças, os cantos e os gritos guerreiros continuavam até o meio-dia, quando apareciam os primeiros espias dos caboclos (indígenas), os quais, apenas trajando tangas e cocar de penas e palhas, vinham armados de arcos e flechas. Apareciam cautelosos, procurando conhecer as posições dos inimigos através da folhagem.
“Os negros em grande alarido, preparavam-se para o combate.
“Logo depois surgiam todos os caboclos, tendo à frente o seu rei, o qual usava espada e manto vermelho. Marchavam cantando e dançando o toré, dança selvagem acompanhada pela música de rudes e monótonos instrumentos, formados de gomos de taquaras e taquaris rachados, e de folhas enroladas de palmeira. A luta se travava na praça, e depois de muitas refregas, de retiradas simuladas e assaltos, o rei dos caboclos acabava subjugando o rei dos negros e apossando-se da rainha.
“Nesse momento os sinos repicavam, as girândolas estrugiam em frente à Matriz e no meio das vaias e gritaria da garotada, os negros, batidos pelos caboclos, recuavam para o centro do quilombo, o qual era cercado e destruído. Terminava a festa com a vendagem dos negros e a entrega da rainha a um dos maiorais da vila, que para “fazer figura” tinha de recompensar fartamente os vencedores”.
O quilombo é, portanto, um torneio popular no qual as três raças formadoras do povo brasileiro participam de formas diversas: os negros, como em Palmares, resistindo bravamente aos inimigos e ganhando como prêmio a humilhação e a derrota; os índios, a encontrarem na vitória sobre os negros a sua própria derrota e desmoralização, vendo-se “forçados” a entregarem os louros da vitória – a cobiçada rainha – aos brancos maiorais da vila; e os brancos, financiadores da brincadeira, sem que necessitassem suar a camisa ou despender energias, recebendo ao final do quilombo as prendas duramente conquistadas por seus escravos indígenas – como todos os “bons” opressores, aliás.
Por Sidney Wanderley
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