quarta-feira, 30 de março de 2011

Louvação



O pífano da zabumba, preservação no tempo das gaitas e flautas cambembes e caetés.

Louvação

Foi o poema que segue, escrito por mim para (e lido pelo autor durante) o programa que a Rádio França internacional, sediada em Paris, dedicou a Teotônio Vilela uma semana antes do seu falecimento, a 20 de novembro de 1983. Intitulado “Breve Poema em Louvor do Pássaro Teotônio”, o tributo segmenta-se em:

1- DO POETA PARA O POVO

Eu hoje quero, à noite, conversar
com um pássaro conterrâneo que conheço,
dizer-lhe dos meus medos brasileiros
ante as aves de rapina que espreitam
este solo e este povo defendidos
por armas que Ihes miram os próprios peitos.

Eu hoje quero, à noite, abraçar
um pássaro conterrâneo que admiro,
um pássaro que não cante em gaiolas e florestas,
que canta no Senado e nas prisões, que trina
em greves, comícios, protestos, passeatas, procissões,
e quando canta este uirapuru urbano
os pássaros menores fecham o bico e abrem os tímpanos
para sorverem, em largos goles, o som mavioso
que exalam sua voz e sua palavra.

Eu hoje quero, à noite, cantar junto
a um pássaro conterrâneo que cultivo,
até que a noite cesse e o dia surja
trazendo sol para os olhos, pão para as bocas
e afago para os lombos dos viventes;
cantar ao lado dele porque belo é cantar junto
quando duas são as bocas e o canto se faz único;
cantar ao lado dele para dizer-lhe
quão belo em seu canto é o vocábulo pátria
- vestido de coração e despido de basbaquice -,
como contar-lhe de meus sonhos brasileiros
que um dia – creio – hão de ganhar
carne, sangue e concreto.

Eu hoje quero, à noite, simplesmente
Agradecer em nome do seu povo
a um pássaro conterrâneo que conheço
e que se intitula: Teotônio.

II – DO POETA PARA O PÁSSARO

Agora que a noite já vai alta
e que o povo deste solo sonha em sono,
agora que só bêbados, prostitutas,
policiais e sonâmbulos se locomovem
pelos bares e boates do país,
agora que estamos frente a frente
e que tudo mais é só silêncio,

agora eu agradeço para sempre
a ti, que
com o tempo aprendeste o verbo povo,
substantivo maior de nossas vidas;
agora eu aperto as mãos trêmulas
de ti, que
com o câncer ensinaste a todos nós
o quanto de poesia encerra a morte;

agora eu miro os serenos olhos
daquele que
de Deus - em quem não creio –
herdou a voz, o prefixo e a grandeza;

agora que tu dormes calmamente
e a manhã, tímida, já se anuncia,
como um pai (chorando) ao filho
eu te confesso:

doce será aos filhos desta pátria
soltar teu nome preso nas gargantas,
doce será aos herdeiros deste tempo
reter na memória teu espírito guerreiro,
doce será dizer-se Teotônio,
como dizer-se liberdade
aurora
Brasil
Justiça
vôo.

Por Sidney Wanderley

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