sexta-feira, 1 de abril de 2011

Nostalgia


Great Western, hoje R.F.F.S.A.: ontem passageiros, hoje trens de carga.

Nostalgia

Ou melancolia misturada à saudade dos tempos que não tornam mais e, contudo, persistem íntegros e inarredáveis em nossa memória.

Tempos em que a “lógica popular” se impunha quando do batismo de uma rua. Em que as ruas e praças possuíam o nome de árvores, de flores, de sentimentos puros ou mesquinhos porém autênticos, de prédios ou fatos marcantes, de detalhes pungentes ou pitorescos que, por merecimento, guardavam-se através dos anos na lembrança de seus habitantes. Tempos em que os logradouros rejeitavam os nomes pomposos de figurões de mérito duvidoso e que nada ou pouco tinham a ver com a existência da cidade e a melhoria das condições de vida de seu povo.

Viçosa de ontem: Rua do Pão Sem Miolo (denominação devida à existência nesse local de uma cajazeira com o tronco carcomido pelo cupim – tronco sem miolo), Rua dos Cochichos (porque sempre foi abrigo de intrigas e mexericos), Rua da Matriz (igreja do padroeiro no local), Rua da Linha (cortada ao meio, desde dezembro de 1891 – chegada Great Western em Viçosa – pela via férrea), Rua dos Três Toes (por três tostões as prostitutas aí se entregavam generosamente ao amor), Rua do Beco (por ser exageradamente estreita), Rua do Passarinho (aí ocorria o comércio de pássaros), rua do Brejo, Rua da Palha, Rua do Joazeiro, Rua do Gurganema, Rua da Bela Rosa etc.

Peço à prosa uma pausa pois que pretendo perder-me um pouco nas paragens da poesia. E que o leitor, por prazer ou por favor, seja-me companheiro neste meu (poema) ITINERÁRIO:

Nasci na Rua do Beco,
caí na Rua da Lama,
colhi-me na Rua do Cravo,
flagrei-me na Rua do Banho,
banhei-me na Rua da Bica,
mendiguei na dos Três Toes,
fofoquei na dos Cochichos,
atirei na das Pedrinhas,
xinguei todos do Palhiço,
apanhei na do Cacete,
comi na Pão Sem Miolo,
segui a Rua da Linha,
cheguei à Estrada Nova,
deitei na do Joazeiro,
cobri-me com a Bela Rosa,
dormi na Rua do Brejo
e sonhei este poema
na Rua do Passarinho,
que voou bem de mansinho
pra ruas não batizadas,
onde a poesia, impotente,
faz do silêncio a palavra.

Por Sidney Wanderley

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